Carta-convite para formação do
Fórum Permanente em Defesa da Educação

Muitos problemas se agravaram com a Pandemia. Um deles foi não encontrar um espaço no qual nossas vozes, como educadores e trabalhadores da educação, pudessem ser realmente ouvidas. Por isso, nós, professores de várias Redes e estados, vimos convidar todos os trabalhadores da educação, bem como suas entidades e coletivos, a formar conosco um Fórum Permanente em Defesa da Educação, que reúna forças ora dispersas em torno de pontos comuns, a fim de abrir espaço para que nossa voz seja ouvida.

Entre 18 e 22 de janeiro de 2021, alguns de nós estivemos conectados por ocasião da realização da Jornada em Defesa da Educação cujas discussões em torno do tema “Enfrentando as dificuldades de pensar a educação na pandemia” nos permitiram conversar e refletir sobre os diferentes níveis e modalidades da educação. O que nos provocou a novas reflexões, a essa iniciativa de um encontro e a formação de uma rede permanente.

Durante as plenárias ao final do evento, reconhecemos a grave conjuntura em que a Educação se encontra em nosso país, e que foi agravada pela pandemia de COVID-19. E compreendemos que nos confrontamos constantemente com duas questões irredutíveis uma à outra, embora profundamente relacionadas. Por um lado, cada profissional da educação tem o dever de realizar o melhor possível a tarefa educativa que lhe cabe nas condições existentes. Por outro lado, reconhecida a precariedade dessas condições, todos estão chamados a se unir em uma luta política para transformar essas condições, pois é o único meio de tornar possível os melhores anseios para a Educação que se mostram impossíveis nesse momento.

Cada profissional da educação está posto, todos os dias, diante do desafio de realizar o seu trabalho, como qualquer outro trabalhador. Desse modo, o reconhecimento da precariedade em que seu trabalho está colocado não o dispensa de fazê-lo. E muitos entre nós realizam seu trabalho às custas de suas condições econômicas e de saúde, até o limite da sobrecarga e do adoecimento. É assim que cada um de nós age dentro de suas salas de aula e nas comunidades escolares das quais faz parte buscando as melhores soluções possíveis para que Educação continue ocorrendo apesar de tudo: o enfrentamento da violência social que invade as escolas, a falta de recursos e materiais adequados, o arbítrio de gestores e as exigências externas à educação que dominam as políticas educacionais. Tudo isso já ocorria antes da Pandemia de COVID-19, que promoveu muitas mudanças, mas não nos tornou menos trabalhadores.

Nos últimos meses fomos chamados a lidar com novas condições precárias para realizar nosso trabalho: aprender a lidar com ferramentas tecnológicas para chegar aos nossos alunos e repensar as práticas didáticas em condições assíncronas e remotas. O fato que todo trabalhador da educação reconhece é que, independentemente da gravidade e da rapidez com que as condições mudem, somos chamados a continuar o trabalho educativo. Qualquer que seja a decisão – frequentemente tomadas sem que sejamos ouvidos - sobre o ano letivo começar presencial, remoto ou parcial, ainda teremos que trabalhar no dia seguinte. Estaremos de algum modo diante de nossos alunos, mesmo que frequentemente não tenhamos tido o tempo necessário para considerar suficientemente todas as mudanças e planejar nosso trabalho.

O que nos leva à mais grave ameaça contra a dignidade dos trabalhadores da educação: que é retirar de nós toda tarefa propriamente educativa. O que se realiza de várias maneiras e por muitas frentes e, na maioria dos casos, é precedida pela retirada das condições para que realizemos nosso trabalho com qualidade. Sabemos que alguns sofrem com formações deficitárias que impedem que se sintam seguros em suas práticas educativas, preferindo muitas vezes seguir acriticamente às crescentes cargas de determinações práticas que nos chegam em materiais didáticos repetitivos e superficiais. Há anos esses materiais e os documentos oficiais dizem menos sobre o “O quê” da educação e mais sobre o “Como”. Alteração que alimenta e é alimentada pela insegurança de profissionais que não tiveram uma formação suficiente ou que estão colocados sob contratos de trabalho cada vez mais precários. Muitos outros, mesmo possuindo formação adequada, estão submetidos a tamanha carga horária de trabalho que acabam seguindo essas mesmas determinações para que seja possível cumprir seu trabalho no tempo disponível. O trabalho burocrático é uma das principais causas do aumento crescente da carga que intensifica essa situação. Sobrando cada vez menos tempo para que os professores estudem e pensem sobre sua própria atividade. E o que eles chamam de Ensino à Distância agravaria tudo isso.

Essa tendência a submeter e a transformar os profissionais da educação em reprodutores de práticas pensadas e organizadas por gestores, muitas vezes, sem experiência do trabalho educativo – apesar de serem frequentemente identificados como especialistas – também é anterior à pandemia da COVID-19, mas tomou proporções gigantescas nesse momento, potencializadas pela súbita transferência de toda a educação, dos espaços físicos escolares para as redes e plataformas na internet. Colocadas como mediação obrigatória entre alunos e professores, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) aumentam, ao mesmo tempo, a geração de dados e estatísticas para os gestores controlarem os sistemas educativos e sua capacidade de intervir na relação pedagógica.

No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, a adoção do Centro de Mídias de São Paulo (CMSP) como centro da política educacional durante a pandemia já havia reduzido os professores, durante 2020, a audiência de aulas centralizadas e a produtores de um tipo de material didático, as videoaulas gravadas e as atividades ou roteiros de estudo. Em 2021, os alunos passarão a ser obrigados a acompanhar as aulas transmitidas pelo CMSP e a responderem as atividades ali propostas. O que significa que os professores, por sua vez, passarão a atuar como monitores de plataformas tecnológicas. Tudo isso implica que não se espera mais dos professores que estabeleçam uma relação pedagógica com os alunos das turmas que lhes foram atribuídas. Seu trabalho pode restringir-se a sub-gestores dos sistemas informatizados e sua relação com os alunos torna-se um tipo de telemarketing por meio do qual se pretende que sejam capazes de garantir que os alunos também se submetam às determinações estatais. E sabemos que redes menores ou mesmo escolas municipais usam mecanismos e plataformas mais precárias, o que agrava ainda mais esses pontos.

A redução do trabalho do professor à gestão de sistemas informatizados e ao telemarketing da “Busca Ativa” é só uma das manifestações daquele ataque à dignidade dos trabalhadores da educação. Um de seus efeitos é que não sejamos mais ouvidos desde a prática cotidiana, que passa a seguir as determinações dos sistemas de ensino, até os altos níveis da hierarquia gerencial que vai tomando conta das políticas educacionais. Em uma sociedade que considera que só devem ser ouvidos especialistas ou poderosos, não há motivos para garantir espaços para as falas dos trabalhadores da educação, além dos chats abertos ou fechados segundo a conveniência dos gestores. E que, mesmo quando disponíveis, sofrem várias etapas de filtragem segundo os critérios previamente estabelecidos por eles. Se uma sociedade democrática se organiza sob o princípio da igualdade entre os cidadãos, o que nós, trabalhadores da educação, experimentamos a cada dia é que somos colocados não na condição de iguais, mas na condição de subordinados aos quais não cabe mais pensar e deliberar sobre seus trabalhos, mas apenas executar as decisões vindas de superiores, especialistas ou poderosos - de qualquer modo, muito distantes das práticas educativas que vivemos e conhecemos nas instituições educacionais.

Precisamos considerar também o importante papel desempenhado por entidades diretamente ligadas a grandes grupos empresariais e a instituições globais responsáveis pelo gerenciamento do sistema econômico em praticamente todos os países. Da OCDE ao Banco Mundial, do Instituto Ayrton Senna ao Todos pela Educação, muito de nossa atual condição enquanto trabalhadores da educação passa pelas disputas e pelo jogo de poder que se dá no âmbito internacional das decisões, com claras e profundas consequências para a realidade brasileira como brevemente já apontamos. Isso significa, em linhas gerais, que boa parte dos sujeitos envolvidos e interessados nos rumos da Educação, sobretudo os representantes dos interesses econômicos, encontram-se organizados e muito bem posicionados nesta complexa rede de disputas, exceto nós, trabalhadores e apoiadores da educação. As diretrizes das políticas públicas educacionais, assim, são definidas e executadas à revelia da maioria daqueles que diretamente lidam com os desafios cotidianos das escolas, bem como de suas entidades representativas.

Neste cenário, em que somos ignorados pelos gestores das redes de ensino nas formulações educacionais, muitos são os exemplos do quanto são afetados negativamente estudantes e trabalhadores da educação, em especial os professores. O sentimento de insatisfação se espalha e várias iniciativas de organização de pequenos grupos críticos se proliferam pelo país. Mas suas potencialidades são limitadas pela própria realidade na qual se encontram, não resultando em avanços e melhorias da situação geral. Deixamos assim de nos constituir como contrapeso, de fazer frente aos poderosos sujeitos já estabelecidos naquelas disputas, o que só uma ação unificada será capaz de obter. Por isso, convidamos todos os trabalhadores da educação, coletivos e entidades que de alguma maneira estão envolvidas na luta em Defesa da Educação a constituírem conosco um Fórum Permanente em torno desses pontos comuns para criarmos espaços de escuta, de reflexão, de proposição e luta.

A primeira reunião do Fórum será no dia 06/03/2021 (sábado), às 9h.

Veja as conferências da Jornada!

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Para manifestar seu interesse em participar do Fórum Permanente em Defesa da Educação, preencha o formulário abaixo:

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Registramos seu interesse em compor o Fórum Permanente em Defesa da Educação. A primeira reunião do Fórum será no dia 06/03 (sábado), às 9h. Em breve, enviaremos orientações sobre pauta e acesso.

Quem somos

O Centro de Educação e Cultura DIGNITAS visa promover atendimentos e ações que colaborem para a garantia da dignidade humana, entendida como exercício das capacidades humanas que tornam cada pessoa um ser singular dentro de um mundo compartilhado.