Apresentação

O ano letivo de 2020 tem sido bastante incomum em todo o mundo. Com a Pandemia reconhecida pela OMS (Organização Mundial de Saúde), em virtude de doença infecciosa viral respiratória – COVID-19, causada pelo agente Novo Coronavírus – SARS-CoV-2, foi necessário instaurar regras de distanciamento social e combate à disseminação do vírus.

Diversas medidas de enfrentamento ao coronavírus foram, então, instauradas em todo o país, incluindo decretos de estado de emergência e de calamidade pública por todo o território nacional. Com isso, várias atividades e eventos que promovem aglomeração de pessoas foram suspensos, incluindo as aulas presenciais nas escolas.

Em São José do Rio Preto, por exemplo, o Decreto Municipal nº 18.554, de 16 de março de 2020, dispôs sobre medidas de enfrentamento do coronavírus e suspendeu as aulas na rede municipal. Depois disso, a suspensão dos serviços continuou sendo prorrogada, conforme avaliação quinzenal e orientações estaduais sobre as condições do município de enfrentar a pandemia.

Diante desta nova realidade, foi necessário reformular o ano letivo de 2020, desde o calendário escolar até às práticas pedagógicas. A interação com os alunos passou a se dar em plataformas e ambientes digitais, aulas começaram a acontecer em aplicativos de reunião online e atividades foram oferecidas em modalidade remota. Entendemos que essas ações foram necessárias para manter o vínculo com os alunos e, pegos de surpresa, os profissionais da educação lançaram mão daquilo que estava disponível e daquilo que era possível em cada realidade escolar.

Por um lado, os governos não assumiram a educação como uma prioridade e, assim, não apresentaram nenhum plano que permita vislumbrar, para o curto prazo, o retorno às aulas presenciais. Fosse esse o interesse, seria necessário atuar para oferecer as condições que as escolas precisam para poder receber alunos e profissionais da educação com o mínimo risco de contágio possível. Por outro lado, também não assumem uma decisão de longo prazo sobre a suspensão das aulas. O que, ao menos, permitiria encarar a situação como duradoura e, consequentemente, elaborar um plano de ação adequado às condições atuais.

A contínua prorrogação da suspensão, somada à ausência de um plano consistente por parte do Estado e da União para conter o contágio e para retomada da educação no país, colaboraram para que não tenha emergido uma reflexão mais profunda sobre o sentido da educação nessa situação. De fato, até aqui, as práticas adotadas pelos sistemas de ensino, escolas e professores, parecem ser assumidas como provisórias até a próxima decisão dos governos, que pode mudar tudo. Como se todos seguíssemos aguardando, para breve, uma novidade que permitiria retomar a “normalidade” das práticas pedagógicas existentes antes da pandemia. Ficamos paralisados: não estamos mais sob as condições das práticas educacionais já consolidadas, mas também não ousamos encarar, em toda sua amplitude e profundidade, as condições atuais sob as quais nos é exigido continuar a tarefa educativa.

Essa situação já se prolongou por 9 meses e, agora, ao final do ano letivo de 2020, com vacinas ainda em fases de teste e diante dos muitos obstáculos que enfrentarão até que seja possível imunizar a população, o ano letivo de 2021 caminha para a manutenção da suspensão das aulas presenciais ou, no máximo, uma retomada com somente parte dos alunos presentes. Portanto, tudo indica que não retornará à “normalidade” a educação no primeiro semestre do próximo ano. E, possivelmente, isso ainda se estenderá por muito mais tempo.

Presos à falta de planejamento dos governantes, que seguem apenas respondendo ocasionalmente aos desafios que a pandemia nos impõe, adiamos nos confrontar com a questão fundamental: qual o sentido das práticas adotadas nessas condições? Questão que se desdobra em muitas outras: é legítimo chamar essas práticas de Educação? Se sim, qual o sentido dessa Educação e qual semelhança guarda com o que se fazia antes? Se não, por que continuar com elas? Qual sentido atribuímos a elas? Que prática educativa é possível sem a materialidade da escola, com seu tempo e espaço específicos? Ou pior, é possível alguma prática educativa sem o encontro presencial?

É certo que o cerne dessas questões sobre a educação já estavam presentes antes da pandemia. Mas, como em outras questões, a novidade aqui é que se põe a nu aquilo que antes poderia passar silenciado sob os comportamentos cotidianos. Mas, além disso, nos últimos séculos, a sociedade ocidental produziu a escola como um lugar especializado para a educação, visando garantir as condições para que ela seja possível. E, ainda que as últimas décadas tenham produzido discursos cada vez mais intensos a favor do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na educação, a pandemia levou a uma súbita “mudança de casa”. Assim, toda a educação não ficou apenas obrigada a lidar com as TICs, mas se viu, de repente, transferida da materialidade para a virtualidade. Como se uma plataforma educacional (às vezes, nem isso) pudesse substituir a escola. Como se as condições da experiência nos dois casos fossem as mesmas ou, ao menos, equivalentes.

Essa situação de crise exige de nós um esforço de compreensão. É preciso pensar sobre tudo isso mas também é preciso agir: assumir a responsabilidade de fazer juízos diante dessas situações inusitadas e inesperadas. Responsabilidade pública, como a educação é um problema público. No entanto, não bastassem todas essas dificuldades, soma-se a elas o fato de que o debate público parece bloqueado. Particularmente sobre a educação na pandemia, o quadro geral é composto por: trabalhadores da educação desorientados, aguardando as decisões excessivamente provisórias do poder público; sistemas de ensino apegados a critérios e controles de antes da pandemia (sejam as instituições públicas seguindo suas demandas burocráticas irrefletidamente, sejam as instituições privadas, mais do que nunca, reféns da lógica do mercado, que exige a apresentação de resultados para não irem à falência); sindicatos restritos à legítima preocupação em defender os trabalhadores da educação de uma condição de trabalho transformada, cheia de potenciais excessos; pais impotentes e cada vez mais céticos diante da enxurrada de desinformação sobre os riscos da COVID-19. O único resultado certo é que temos cada vez mais alunos abandonados às suas próprias forças, estas ainda insuficientes, pois em formação.

Acreditamos não ser aceitável iniciar mais um ano letivo paralisados na nossa capacidade de pensar. Não podemos aceitar iniciar 2021 submetidos à mesma lógica de decisões provisórias que distendem no tempo a indefinição. Também não julgamos aceitável que os vários atores envolvidos sigam atomizados, incapazes de estabelecer diálogo e de construir soluções conjuntas para a educação enquanto durarem os efeitos da pandemia. 

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Quem somos

O Centro de Educação e Cultura DIGNITAS visa promover atendimentos e ações que colaborem para a garantia da dignidade humana, entendida como exercício das capacidades humanas que tornam cada pessoa um ser singular dentro de um mundo compartilhado.